
Sempre que chega o final do ano as pessoas se agitam para a organização das festividades, logo se acirram as compras, os preparativos para a ceia, para compor uma mesa repleta de variedades; na qual não podem faltar determinados produtos, sugerindo que a sorte ou o azar para o próximo ano depende do consumo de certos alimentos num momento exato. Regras são ditadas na escolha do mais conveniente para comer, beber e vestir. No que efetivamente se transformaram as festas de final de ano? O Natal, uma data tão significativa, hoje para as crianças se resume na visita do Papai Noel; um dia em que vão ganhar muitos presentes e apreciar pratos diferentes.
A mídia tenta convencer que necessitamos estar mais amistosos com nossos semelhantes e esta afabilidade deve ser expressa por presentes. Todos devem receber presentes, até aqueles que mal conhecemos, nem sabemos quais são os seus gostos, mas não podemos fazer uma desfeita. Quase considerada uma falta de educação, numa data tão importante, esquecermos de comprar alguma coisa e para presentear qualquer lembrancinha serve; resolvido facilmente por um produto “made in China”. Vale comprar coisas que nunca serão usadas, recebidas com um sorriso amarelo de quem não sabe onde guardar mais uma inutilidade, mas o que importa? A nossa parte foi feita, afinal é Natal e ninguém pode ficar sem o seu presente. Desperdiçamos dinheiro em coisas desnecessárias para os outros, mas lembramos que existe o outro.
Recordo que há anos atrás a comemoração do Natal era realizada com um almoço ou jantar em família, sem a necessidade de um banquete e a virada do ano não era festejada como nos dias de hoje. Aliás, a virada do ano se transformou em outra festa de consumo obrigatória. É um tal de comer porco porque o animal fuça para frente, evitar o peru porque cisca para trás, lentilha para garantir mesa farta, guardar sementes de romãs para atrair dinheiro, entre tantas outras. No vestuário não pode faltar roupa íntima nova e a cor escolhida para a virada se relaciona com o seu desejo para o próximo ano, assim para obter mais amor basta se vestir de rosa. Na primeira noite do ano esqueça os problemas usando lençóis novos e muita atenção: o que se faz no dia de Ano Novo repete-se todo o ano. Logo, devidamente trajado de branco, esteja muito atento para tudo o que fizer neste dia, planeje minuciosamente suas tarefas, porque todo o cuidado é pouco. Evidente que todos têm o direito aos rituais e às crenças, mas se exagera no uso destes artifícios para aumentar o consumo. Parece que, a cada ano, criam mais coisas indispensáveis para estas datas. Muitas mensagens e imagens subliminares incutidas em nossas mentes indicando a necessidade de consumir de maneira insistente, atingindo o limite da paciência e beirando o insuportável.
No Natal são tantas recomendações a seguir, regras natalinas de etiqueta, árvore de última geração, centenas de adereços carimbados por Papai Noel, panetones para todos os gostos, castiçais sobre a mesa farta, sem esquecer do tradicional peru; os supermercados ficam abarrotados de aves de todos os pesos e temperos. Certamente os comerciantes precisam lucrar, mas por que não fazer um Natal apenas com Papai Noel e outro exclusivo para o verdadeiro espírito do Natal? Porque o Natal não tem mais o espírito de Natal, o aniversariante está ausente, pois as pessoas estão envolvidas em tantas preocupações com as compras de presentes, decorações e pratos colocados como obrigatórios para a comemoração, que mal sobra tempo para refletir sobre o significado desta data.
O vazio existencial do ser humano, na sociedade contemporânea, não se completa pela opção do consumismo que considera a pessoa apenas pelo que ela tem, parece ter ou parece ser, afetando profundamente as relações humanas; pois as palavras solidariedade e fraternidade soam como parte de um grande negócio para impulsionar as vendas. Não é uma contradição que a data do Natal se vinculou a toda essa parafernália consumista? O Natal ficou monótono e banal. O espírito do Natal não seria uma fuga da realidade? Um refúgio das disputas, da competição e dos preconceitos que somos obrigados a conviver todos os dias. O verdadeiro espírito do Natal, resguardado em nossos corações, reside em um encontro consigo mesmo e na busca da paz com o seu semelhante, ou será agora não mais irmão e sim outro mero consumidor?
Claro que as cidades ficam mais bonitas com toda a decoração, cada vez mais sofisticada, vem o décimo terceiro salário, circula mais dinheiro, a economia se revigora e os comerciantes ficam mais felizes. Contudo, preocupa o uso e o abuso do Natal e a vulgarização de uma data especial. Evidente que o sistema capitalista aproveita de todas as brechas possíveis para impor novas normas de consumo, mas poderíamos resistir e não cair nas armadilhas tão bem engendradas deste sistema.
Em contraposição à festa do consumo se deseja acreditar que existe espaço para “é Natal sempre que um homem quiser” e guardar este sentimento para os demais dias do ano. Então, sem a obrigação e distante da banalidade, ainda vale dizer: FELIZ NATAL!
 
 
 
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